Estou tão atrasada com esse blog, haha! E eu nem sei mais quais eram as coisas que eu tinha dito para mim mesma que ia postar (eu devia ter feito uma lista de verdade numa folha de papel, rs) - mas lembro de ter dito que ia publicar aquele ensaio que eu estava escrevendo quando fiz o post do Art Loli, então, como ele já está pronto há um tempo (e como eu ainda estou meio apressada para escrever qualquer coisa) vou colocá-lo hoje aqui.
Só queria lembrar que, apesar de ser para a faculdade, esse não é um texto nem um pouco científico. Eu fiz uma pesquisa bem básica, já que esse trabalho foi escrito só para sugerir um tema para talvez ser aprofundado mais tarde (o título original até era "Questionamentos sobre moda de rua japonesa e arte", já que se tratava basicamente de um processo de dúvida). Também queria deixar avisado que nem tudo que eu falar nesse "ensaio" é exclusivo da moda de rua japonesa, eu só dei foco para ela. ~E que eu também nunca estive no Japão, então tudo foi baseado em pesquisa (que eu espero que não esteja muito fora da realidade, rs).
E é isso. Sintam-se a vontade para opinar, apontar erros e essas coisas, rs. :)
Definir Arte é uma tarefa
praticamente impossível. Mesmo assim o termo é usado com frequência para
designar o mais variado tipo de coisa, o que torna a palavra cada vez mais
abstrata. Quando estudei Moda, ouvi várias vezes que estávamos trabalhando com
um tipo de Arte. Mas por quê? É até comum aceitar a Moda conceitual das
passarelas como artística, talvez pela pouca usabilidade de suas peças - mas,
mais provavelmente porque há nela maior preocupação com formas e cores do que com a
simples necessidade de vestir alguém. Por outro lado, é na moda de rua que as
expressões individuais são mais acentuadas. Nesse quesito, não há lugar onde
isso seja mais evidente do que nas ruas de Tokyo. Em bairros como Harajuku,
encontramos os mais variados estilos pessoais, completamente livres dos
conceitos “modísticos” modernos. É claro que a roupa ainda tem o intuito de
cobrir e proteger, mas faz muito mais do que isso. É uma expressão de um grupo
ou de um indivíduo. É uma reflexão sobre cores, texturas, imagens e
representações. É muito artístico.
Pesquisar sobre a moda de
rua japonesa pode abrir portas para o entendimento do que Arte realmente
significa. Pode nos permitir encontrar ligações entre o que é essencial (o ato de se
vestir, numa sociedade moderna) e o que é expressão (que, afinal de contas,
também pode ser vista como uma necessidade básica). Há uma grande quantidade de
possibilidades relacionadas a esses assuntos – psicológicas, sociológicas, artísticas,
etc.
Tomemos como exemplo uma
figura que se tornou relativamente conhecida nos últimos tempos: Eijiro Miyama,
também apelidado de Boshi Ojisan (algo como “homem/tio do chapéu”), que, aos 80 anos
de idade, passas seus fins de semana nas ruas de Yokohama vestindo chapéus
enormes – nos quais todo o tipo de coisa é atada, principalmente bonecas e
brinquedos antigos – roupas coloridas, colares incomuns, e até "brincos" que servem
como pequenos aquários para peixes dourados vivos. Miyama acabou por participar
de algumas exposições de arte dentro e fora do Japão, mas antes disso - por
mais estranha que sua indumentária pudesse parecer para quem o visse passeando
calmamente em sua bicicleta numa tarde de domingo - tudo se tratava apenas de
uma maneira inusitada de se vestir*. Apenas um tipo diferente de roupa. E roupa
todo mundo usa. Então, quando é que a linha entre a arte a moda foi cruzada?
Haverá, afinal de contas, uma linha?
Eijiro
Miyama
Apesar de o usarmos como
exemplo, Eijiro Miyama não é nem de longe a única pessoa a vestir-se de maneira
tão diferente nos bairros japoneses (e no mundo). Grupos e indivíduos criaram
bases completamente diferentes das que estamos acostumados a ver no dia-a-dia
ocidental, no que se trata de vestuário. É verdade que boa parte dessas
subculturas tão incomuns surgiram como uma espécie de releitura japonesa de
peças de roupa dos EUA e da Europa, mas, a despeito de suas origens,
tornaram-se movimentos completamente originais. Muitas pessoas se viram livres
para criar e desenvolver estilos próprios (baseados ou não no que viam nas
ruas). Há também certa diferença nos desfiles de moda dessas regiões: em vez de
apenas lançarem tendências (embora certamente o façam), eles estão mais
conectados com o que acontece do lado fora, muitas vezes adaptando ideias que
surgiram nas ruas. Há uma troca de informações, onde o que as pessoas fazem
fora das passarelas tem igual (às vezes até maior) importância do que os
estilistas propõem nelas. Não há imposição. E a verdade é que os próprios
estilistas estão nas ruas.
Sebastian Masuda é o
designer da colorida e chamativa 6%DOKIDOKI, que serviu de influência para
inúmeros estilos que surgiram desde o nascimento da marca (principalmente o Decora, que é marcado pelo excesso de
acessórios coloridos e sobreposições de peças). Nesse período, de 1995 - data
de criação da marca - até hoje, o Decora
já se tornou bastante diferente do que era no início, e outros estilos
inspirados emergiram em Tokyo. Os estilos antigos ou transformam-se para
manterem-se vivos, ou dão lugar a coisas completamente novas. Ainda é possível
encontrar um pouco de Decora em
artistas modernos como Kyary Pamyu Pamyu (que teve um dos clipes dirigidos por
Masuda), mas as mudanças também são muito claras. Tudo é extremamente mutável e
livre. Mas o que quero pontuar, é que, mesmo se nos focarmos apenas nas
produções de Sebastian Masuda e no Decora,
já seríamos capazes de nos confrontarmos com algumas questões a respeito de
arte.
Sebastian Masuda não só foi o diretor de arte
de clipes musicais, como recentemente lançou-se em uma exposição, que seria sem
dúvida, considerada artística. A exibição “Colorful Rebelion – Seventh Nightmare”,
em Nova York, conta com instalações e peças multicoloridas, que são
praticamente versões “não-vestíveis” do que ele propõe na 6%DOKIDOKI. Mas então, o que separa essas produções
expostas das que são vendidas nas lojas? Mais importante que isso: o que é que
separa a produção de Masuda numa galeria, de uma combinação maravilhosamente criativa de alguém que comprou suas peças e decidiu usá-las como bem
entendesse? Diferentemente do que acontece nas passarelas (inclusive nas
japonesas), na moda de rua a pessoa não é apenas um suporte para a roupa de um
estilista, mas faz a roupa ser o que é - modificando-a e combinando-a da
maneira que quiser.
O uso da peça, a meu ver, é mais importante que a peça em si, nesses casos. Se fossemos conjeturar sobre uma peça de vestimenta ser ou não arte, acabaríamos nos deparando com trabalhos como os do Bispo do Rosário, ou as obras não muito usáveis de Maribel Domenech, por exemplo, que, em ultima análise, são peças de roupa que também são arte – por isso podem ser expostas em museus (e são) sem que ninguém fique dando muito palpite a respeito. Mas se levarmos em conta a produção do Bispo do Rosário, por exemplo, veremos que ela não era considerada arte antes de alguém julgá-la como tal. Mais ou menos o que houve com o “homem dos chapéus”, embora, é claro, as proposições dos dois artistas fossem um tanto diferentes entre si. Por outro lado, enquanto uma peça do Bispo do Rosário hoje é uma obra de arte por si só, o efeito de qualquer indumentária de Eijiro Miyama é quase todo perdido quando ele não está a vestindo. Ver vestidos e chapéus em manequins não é a mesma coisa que encontrar um velhinho usando-os naturalmente no dia-a-dia. Até porque, como já foi dito, essas peças e combinações nem foram feitas para ser exatamente Arte*, embora seu teor artístico seja inegável.
Exposição
de Eijiro Miyama no Japão, em 2008. Compare com a fotografia em que realmente
ele usa as roupas.
Outro caso interessante da
moda de rua japonesa é o recente surgimento de um estilo denominado Artistic Lolita, ou Art Loli. Não se sabe exatamente o motivo dessa nomeação, mas
decerto a parte “artistic” ou se refere ao cuidado e reflexões necessárias para
montar uma combinação no estilo, ou ao excesso quase barroco dos outfits. É curioso notar como, apesar da
designação de estilo, nenhuma combinação é muito semelhante à outra. Há
elementos marcantes que o identificam, mas ninguém diria que caem na mesmice.
Isso acontece com boa parte das subculturas japonesas também, embora uma ou
outra seja mais rígida a respeito de seus enquadramentos. Mesmo assim, em geral a
liberdade de criação é praticamente infinita. A questão aqui é, entretanto, com
a nomenclatura. É fácil encontrar páginas na internet que digam coisas como: “Ninguém há de
discordar que são verdadeiras obras de arte!” quando se referem ao Artistic Lolita. Não seria essa uma
expressão capaz de englobar os outros estilos da moda de rua japonesa (e claro,
as criações inovadoras do resto do mundo)?
Algumas
combinações diferentes no Art Loli. Variam bem mais que esses dois exemplos. Déjà vu de fotos, rs
Apesar da enorme profusão de
estilos que vêm e vão nas ruas de Tokyo, é muito comum encontrar combinações
que não se encaixam em nenhum estilo específico e que são extremamente
expressivas. Não pretendo diminuir a incrível capacidade criativa dos
indivíduos que, por um motivo ou outro, escolhem ficar dentro um estilo com
determinados padrões. Há coisas extremamente interessantes dentro dessas
pequenas culturas (e até em culturas maiores e menos incomuns), como foi visto.
A expressividade, afinal, vem das escolhas pessoais, e determinar se suas
combinações vão ou não estar dentro de um estilo mais ou menos pré-determinado
é opção individual.
O que diferencia as modas
urbanas japonesas dos demais tipos de moda no mundo é provavelmente a
valorização da criatividade pessoal, o que contribui para essa mutabilidade
constante de pequenos padrões, ou em muitos casos, para a sua quase que
completa ausência. Uma combinação inusitada de peças coloridas da 6%DOKIDOKI
não perde em nada para os chapéus de Miyama - são apenas mensagens diferentes.
A verdadeira lição da moda de rua japonesa é expressar-se corajosamente.
Certamente ninguém em
Harajuku está muito preocupado com a possibilidade de suas vestimentas serem
consideradas Arte ou não. O que vale é sentir-se bem. Mesmo assim é impossível
não relaciona-los. Se não são Arte da maneira convencional, também não deixam
de ser grande influência para inúmeros artistas “tradicionais”. Há uma porção
de ilustradores, pintores e até músicos que se inspiram e tornam-se inspiração
nas ruas nipônicas. Acredito que é impossível desconectar a arte da moda num
ambiente como esse, mas os limites (se é que existem) são muito tênues. Buscar
entender melhor essa cultura pode proporcionar muitos esclarecimentos – ou
ainda mais questões sobre os caminhos da arte, ou no mínimo, da expressão. De
qualquer forma, não é algo para ser ignorado.
Por fim, há uma questão
quase filosófica que se insinua sobre essa análise: se todos nós pudéssemos realmente
nos vestir e nos expressarmos como quiséssemos, sem apenas reproduzir o que é
vendido em propagandas ou lojas de departamento, não seriamos todos artistas?
*Não dá para saber exatamente o que se passa na cabeça das pessoas, rs, então dizer se alguém estava vestindo alguma coisa como "arte", como vestimenta "normal", ou como algo completamente diferente é uma tarefa impossível. Isso de "não ter sido pensado para ser arte" é bastante especulativo, mas foi o que eu achei que se encaixava melhor com o Boshi Ojisan (dê uma lida aqui, por exemplo) e com o argumento. Não quer dizer que seja exatamente dessa maneira. Talvez seja, eu realmente não sei. :s
Bibliografia principal e imagens
http://www.artbrut.ch/en/21004/1017-3/authors/miyama--eijiro
http://tokyofashion.com/sebastian-masudas-art-exhibition-new-york/
http://tokyofashion.com/harajuku-decora-girls-hello-kitty-6dokidoki/
http://m.niusnews.com/upload/imgs/default/13MarN/miyamaeijiro/10.jpg
http://media-cache-cd0.pinimg.com/736x/d0/f0/dc/d0f0dcfeae956dce239b1238f351190c.jpg
http://www.sul21.com.br/jornal/moda-e-arte/
★ Se você for utilizar esse texto integral ou parecialmente (assim como qualquer outro conteúdo do blog), por favor dar os devidos créditos ;) ★
E ficou assim, rs. Não tenho certeza se vou começar algum tipo de pesquisa com isso, mas acho que é algo interessante para ser discutido. O que vocês pensam sobre o assunto?
Vou ficando por aqui, até mais!
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Vou ficando por aqui, até mais!
Milky
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